sábado, 5 de maio de 2012

“Cabarecht”



Quando se pensa na palavra “cabaret”, a imagem que, quase sempre, vem à mente é a de um local de reunião de personagens do submundo, como prostitutas, gângsteres, bêbados e cantoras e dançarinas decadentes, como retratado no filme estrelado por Liza Minnelli e dirigido por Bob Fosse, baseado em peça de John van Druten, e no musical da Broadway atualmente em cartaz no Brasil, dirigido por José Possi Neto, que traz a atriz Cláudia Raia como protagonista.
Na verdade, esta é a imagem que se popularizou após a ascensão do nazismo na Alemanha e que se perpetuou em muitos filmes, como “O Diabo Feito Mulher”, com direção de Fritz Lang e grande atuação de Marlene Dietrich.
Contudo, não é esta a ideia retratada no musical “Cabarecht”, apresentado na última quinta (03/05), no Teatro do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Goiás, dentro da programação da 12ª edição do Festival do Teatro Brasileiro - Cena Gaúcha, pela Cia. Babel de Teatro, de Porto Alegre, com direção musical de Cida Moreira e roteiro e direção de Humberto Vieira.
O Cenário, composto por uma mesa, três cadeiras e um piano, tendo como fundo cortinas vermelhas e pretas, até proporciona o clima inicial ideal para que o clichê de cabaret se desenvolva. As semelhanças, contudo, só duram até a entrada em cena da pianista, cantora e atriz (Cida Moreira), que dirige o cabaret e seus atores/cantores (Sandra Dani, Antônio Carlos Brunet e Roberto Camargo).
No melhor estilo do Expressionismo alemão, o figurino preto (com algum detalhe colorido) e a pesada maquiagem em tons de preto e branco acaba de vez com qualquer possibilidade de que esta imagem se concretize. Parece mais uma reunião dos mortos insepultos da obra “Incidente em Antares”, de Érico Veríssimo, ou que Mephisto e seus amigos decidiram buscar diversão em um cabaret.
De mortos, no entanto, as personagens não possuem nada. Suas expressões faciais, diálogos e canções, acompanhados pelo piano, primam pela afinação, integração e pela bela e forte interpretação.
Na verdade, o Cabaret retratado pelo elenco remonta a uma realidade comum em Berlim, na década de 1920, marcada pelo glamour, mais próxima ao conceito de Sarau, onde artistas se reuniam para mostrar uns aos outros e à burguesia seus textos, esquetes e canções. Este formato é utilizado, inclusive, no meio do espetáculo, para apresentar os créditos técnicos e agradecer a todos aqueles que colaboraram para que a apresentação ocorresse em Goiânia, como se fosse um dos textos declamados.
O próprio título do espetáculo faz esta distinção, ao unir Cabaret + Brecht, já que as canções apresentadas são de autoria do dramaturgo Bertolt Brecht e do compositor Kurt Weill, algumas delas presentes na peça “Ópera dos Três Vinténs”, de Brecht, como Moritat (Die Moritat Von Mackie Messer), baseada na “Ópera dos Mendigos”, de John Gay e Pepusch, e adaptadas para a realidade brasileira por Chico Buarque de Hollanda, na “Ópera do Malandro”.
Ao longo do espetáculo, são apresentadas canções em Inglês, Francês, Português e Alemão, entremeadas pela declamação de textos. A melodia das canções, no entanto, está longe de se apresentar como agradável ao ouvido, o que, na verdade, pouco importa no espetáculo, já que as canções compostas por Brecht e Weill nunca tiveram a intenção de se mostrarem “bonitinhas”, mas de contar uma história, estabelecer um diálogo ou apresentar um protesto. Suas letras é que dão o toque de humor ou trazem a realidade dos bordéis para o espetáculo, como acontece com “O Tango do Cafetão”. O clima de protesto contra a falta de alimentos na Alemanha também é apresentado pelos atores, que seguram uma faixa onde se lê “O que mantém o homem vivo?”, enquanto cantam.
Enfim, o quarteto afinado e de aparência “estranha” que levou ao palco as canções dissonantes de Brecht e Weill conseguiu proporcionar ao público um espetáculo belo e estranho ao mesmo tempo, ou melhor, um espetáculo harmoniosa e estranhamente belo.

Gilson P. Borges

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